O sentido da corrente elétrica (uma resposta ao Kaio - e também à Giovanna)

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Quem já estudou eletricidade deve se lembrar que num circuito elétrico de corrente contínua o sentido do movimento dos elétrons livres é oposto ao sentido da corrente elétrica, como mostra a imagem abaixo. 
E só. Quem não consegue entender isso?! O problema é que, como professor, sempre nos deparamos como alunos (como o Kaio - e também a Giovanna) que não se satisfazem com respostas convencionais e prontas e, assim,  uma convenção acaba se tornando um problema (mas ainda bem!).

Infelizmente, a maioria dos livros de Física não apresentam essa resposta e encontramos simplesmente que 
Por motivos históricos, convencionou-se que o sentido da corrente elétrica corresponde ao sentido do movimento de cargas do polo positivo para o polo negativo, independentemente do movimento real das cargas elétricas. (Quanta Física)
Em livros que "aprofundam" mais a questão, encontramos coisas do tipo
(...) por razoes históricas, que remontam à época em que a eletricidade era entendida como produzida pela movimentação de um fluido elétrico, tornou-se conveniente estabelecer-se uma convenção. Segundo essa convenção, a corrente nos condutores metálicos é constituída pelo movimento ordenado de partículas elementares positivas, portanto, em sentido contrário ao movimento real dos elétrons. (Física - Ciência e Tecnologia)
Depois de muita procura, nenhum livro apresentou explicitamente a resposta de por que o sentido da corrente elétrica é oposto ao movimento dos elétrons livres. As duas honrosas exceções são os livros das coleções Física em contextos e Compreendendo a Física.


A grande dificuldade em explicar uma coisa aparentemente simples como o sentido da corrente elétrica está associada ao fato da primeira explicação não levar em consideração cargas elétricas. Na verdade, na época, ao longo do século XVIII e no começo do século XIX, nem o elétron ou o protón haviam sido descobertos e mais: o modelo atômico de Dalton estava senso elaborado e, portanto, a ideia de átomo não era um consenso nem mesmo entre os físicos e químicos! Além disso, a palavra corrente elétrica começou a ser utilizada quase 100 anos depois do início das descobertas e pesquisas em eletricidade.

A história é mais ou menos a seguinte: em 1729, o físico inglês Stephen Gray descobriu que, depois de um tubo de vidro atritado atrair pequenos pedaços de papel e metal, as rolhas colocadas no tubo também atraiam esses pequenos corpos; depois, descobriu que a atração continuava se ligasse no tubo de vidro um longo barbante: atritando o vidro, o barbante ligado a ele atraia pequenos corpos mesmo muito longe do vidro, o que fez descobrir a comunicação da eletricidade a grande distância, construindo o primeiro telégrafo elétrico, mesmo sem saber. Assim, descobriu que a eletricidade fluía de um lugar para o outro, o que levou a idéia de que existiria um fluído elétrico.



Se tudo levava a acreditar que existia um fluido elétrico, em 1745, von Kleist tentou guardar esse fluido em uma garrafa através de um prego, que ficou conhecida como garrafa de Leiden. Tocando na garrafa enquanto segurava a garrafa na outra mão, recebeu um choque, provavelmente o primeiro choque elétrico artificialmente produzido.     


Benjamin Franklin foi um dos primeiros a explicar todos esses efeitos de atração, repulsão e choques elétricos: como na experiência de Gray a atração elétrica fluía através do barbante, Franklin propôs que a eletricidade fosse um fluído, uma substância imaterial que existisse em todos os corpos; quando um corpo possuisse esse fluido em uma quantidade maior do que a normal, ele ficaria carregado positivamente, enquanto quando um corpo perdesse esse fluido, ficaria carregado negativamente (Franklin foi o primeiro a usar a palavra negativo e positivo em eletricidade). A tendência do fluido elétrico em procurar seu nível normal era a causa da atração elétrica, das faíscas e do choque. Mais importante do que essa explicação foi a analogia que Franklin fez entre a faísca elétrica e os raios, o levando, em 1753, a inventar o pára-raios, a primeira aplicação prática da eletricidade.


Assim, para os físicos e químicos dos séculos XVIII e XIX, corrente elétrica era o movimento desse fluido que ia dos corpos com mais fluido (carregados positivamente) para os corpos com menos fluido (carregados negativamente).

No final do século XVIII, com a descoberta da pilha por Alessandro Volta, foi possível obter fluxos de eletricidade estáveis e duradouros. Acredita-se que o nome corrente elétrica tenha aparecido na década de 1820, quando Ampère, procurando estabelecer uma regra que relacionasse o sentido desse fluxo com seus efeitos magnéticos recém descobertos, indicou o sentido da corrente elétrica utilizando o homem da imagem abaixo. 


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